Entenda a relação dos impactos climáticos com a vida cotidiana
Em três décadas, 92% das cidades brasileiras registraram desastres.
Em um único dia, Luiz Antônio Ceccon viu toda sua história de vida e o seu trabalho, na Ilha da Pintada, em Porto Alegre (RS), serem levados pelas águas do Rio Jacuí.
Luiz Antônio Ceccon e sua esposa abrigados no Ginásio Elyseu Quinhones, em Eldorado do Sul (RS) em junho de 2024 – Bruno Peres/Agência Brasil.
“Eu tinha criação de animais, eu era pescador, perdi barco, perdi rede. Eu tinha criação de bicho, ovelha, cabrito, porco, perdi tudo. Porque minha casa era meio longe aqui da ilha, para chegar lá só de barco. Eu perdi os pés da minha casa na Mexiana, dentro da Ilha da Pintada, e tudo que tinha dentro. Aqui na Picada, eu perdi também tudo que tinha dentro, que é uma casa de aluguel onde minha mulher ia abrir uma floricultura. Perdemos tudo.”
Luiz e a esposa são sobreviventes das chuvas e enchentes que, em maio de 2024, devastaram 468 municípios do Rio Grande do Sul e atingiram mais de 2,34 milhões de pessoas, deixando 183 mortos, 806 feridos e 27 desaparecidos.
Líder comunitário de Tumbira, Roberto Macedo – Agência Brasil.
Já no Norte do país, poucos meses antes, em fevereiro do mesmo ano, a Comunidade de Tumbira, no município de Iranduba (AM), começava a se recuperar de um longo período de estiagem, mais forte e longo que nos anos anteriores.
Sem chuvas, o Rio Negro atingiu um dos níveis mais críticos das últimas décadas, em setembro de 2023. Nos meses seguintes, as 140 famílias de Tumbira – que têm no turismo a principal forma de subsistência – foram afetadas drasticamente.
“Fumaça, calor acima da média, o rio seco, as ilhas de capim e o Cauxim – que é um fenômeno que deixa um [material] orgânico no rio quando ele seca além do normal, pega o sol, e vira tipo assim um pozinho que dá alergia nas pessoas”, conta o líder comunitário Roberto Macedo sobre o que chama de sequelas da seca.

Estiagem reduz nível do Rio Negro ao mais baixo em 121 anos – Reuters/Bruno Kelly/proibida a reprodução.
Relatório
O pesquisador Ronaldo Christofoletti, do Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que o dia a dia dessas pessoas foi afetado pelo que denominou “desastres climáticos”, no primeiro relatório da série Brasil em Transformação, que analisa como os desastres naturais no país são intensificados pelas mudanças climáticas ocorridas em todo o planeta.
“Tem um dado ali que chama muita atenção, quando a gente olha que 92% dos municípios brasileiros já registraram desastres, já foram afetados de alguma forma e que está aumentando de frequência”
Termômetros marcaram 46°C em um dia de calor intenso no Rio de Janeiro – Tomaz Silva/Agência Brasil.
O estudo cruzou dados do Climate Change Institute, da Universidade do Maine, que evidenciam o aumento gradual da temperatura planetária tanto no ar, quanto no oceano; com os números do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, dos últimos 32 anos (1991 a 2023).
A partir desses dados, os pesquisadores concluíram que para cada aumento em 0,1 grau Celsius (°C) na temperatura média global do ar, houve um aumento de 360 registros de desastres.
Quando o mesmo aumento ocorreu nos oceanos, houve um crescimento foi de 584 registros. Isso representou um crescimento médio de 100 ocorrências ao ano no Brasil, no período compreendido entre 1991 a 2023.
Ao longo desse período, o estudo identificou 64.280 desastres climáticos e os classificou de acordo com cinco tipos de registro:
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climatológicos, para os relacionados a seca (estiagens, incêndios florestais e baixa umidade do ar);
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hidrológicos, pra os relacionados a cheias (enxurradas, inundações e alagamentos);
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meteorológicos, relacionados a mudanças de temperatura (ondas de frio, calor, ciclones, ventos costeiros);
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geológicos, para os relacionados a deslocamento de massa (deslizamentos, terremotos e erosão); e
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biológicos, para os relacionados ao desequilíbrio de espécies (epidemias e infestações).